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Por que raiz de dois não é racional?

Como André disse no post Os pitagóricos e os números irracionais, Hipaso foi morto por revelar que \sqrt{2} não é um número racional. Isso é um motivo estúpido para nossos ouvidos do século XXI, mas os motivos de seu assassinato foram religiosos. Os pitagóricos louvavam Pitágoras como “Filho de Apolo”, e a revelação de que nem todo número é racional foi considerada como um “atentado contra a fé”.

Deixando as crenças de lado, afinal, como podemos saber que \sqrt{2} não é racional?

Um número racional, como já expliquei em Conjuntos Numéricos – Parte I, é um número que pode ser escrito na forma \frac{a}{b}, sendo a um número inteiro e b um número inteiro diferente de zero.

Nesse post, irei provar que \sqrt{2}, ou seja, o número que multiplicado por si mesmo resulta em 2, não é um número racional. Mas antes temos que provar outra coisa:

“O quadrado de um número ímpar sempre é um número ímpar”.

Lembrando que: Um número par é um inteiro que é divisível por 2, ou seja, se um número, digamos, n, for dividido por 2, ele resultará em outro número inteiro, digamos, m. Assim:

\frac{n}{2}=m

Também podemos escrever assim:

n=2m

Já um número ímpar é um número inteiro que não é divisível por 2, ou seja, que tem resto diferente de 0. Como estamos dividindo por 2, o único resto que pode dar é 1. ex: 5/2 dá 2, e resto 1.

Um número ímpar pode ser escrito na forma n=2m+1

Agora, vamos provar o que falei.

-Se n for ímpar, seu quadrado é ímpar.

n=2m+1, sendo m inteiro, pois n é ímpar.

\left(2m+1\right)^2=4m^2+2m+1

Podemos fatorar parcialmente, deixando assim:

\left(2m+1\right)^2=2\left(2m^2+m\right)+1

\left(2m^2+m\right) é um número inteiro, e irei chamá-lo, digamos… de z!

\left(2m+1\right)^2=2z+1

2m+1=n, então

n^2=2z+1

2z+1 tem a forma de um número ímpar, então n² é ímpar. Portanto, o quadrado de um número ímpar sempre é ímpar!

Agora vamos provar o dito cujo.

Vamos supor que \sqrt{2} seja mesmo racional. Então, \sqrt{2}=\frac{a}{b}

Suponhamos que essa fração esteja simplificada ao máximo, de modo que não seja possível simplificar mais.

Então, a e b não podem ser pares ao mesmo tempo, pois se ambos forem pares, daria pra simplificar por dois.

Seja então:

\sqrt{2}=\frac{a}{b}

Elevando os dois lados ao quadrado, obtemos:

2=\frac{a^2}{b^2}

E então:

2b^2=a^2

Disso, tiramos que a^2 é par. Daí, tiramos também que a é par. Pois se a fosse ímpar, a^2 seria impar. Então, a é par.

Então b não pode ser par.

Como a é par, pode ser escrito na forma a=2n, sendo n um inteiro.

Substituirei então:

2b^2=\left(2n\right)^2

2b^2=4n^2

Didivindo os dois lados por 2:

b^2=2n^2

Agora, pelos mesmos motivos anteriores, tiramos que b também é par.

Então:

  • b é par
  • a é par
  • a e b não podem ser, ao mesmo tempo, pares

Uma contradição! Portanto, temos que assumir que a nossa hipótese é errada:

\sqrt{2} não pode ser escrito como a razão entre dois números inteiros. \sqrt{2} não é racional!

Só peço que não informem Pitágoras que eu estou revelando isso… não quero acabar como Hipaso, ahaha!

Para quem se interessar, outras abordagens e mais sobre esse assunto podem ser encontradas no Blog Manthano, nosso parceiro!

Abraços, e espero que tenham gostado.

Vinicius R.

Conjuntos Numéricos – Parte I

Olá. Nesse post, irei falar sobre os principais conjuntos numéricos na matemática.

Números Naturais

Começarei pelo conjunto dos números naturais, representados por \mathbb{N}

\mathbb{N}= \left \{ 0, 1, 2, 3, ... \right \}

O conjunto dos números naturais é o conjunto que contém o 0, seu sucessor (1), o sucessor de seu sucessor (2), e assim por diante.
São os primeiros números que nós aprendemos, ainda quando crianças. Usamos-os para contar.

Existe um subconjunto importante de \mathbb{N}, que é o \mathbb{N}^*
\mathbb{N}^*= \left \{ 1, 2, 3, ... \right \}

\mathbb{N}^* é definido como \mathbb{N}^*=\mathbb{N}-\left \{ 0 \right \}, ou seja, simplesmente ele é o conjunto dos números naturais sem o 0

Números Inteiros

Continuando, podemos expandir o conjunto dos números naturais com os seus opostos (termo que já irei explicar), formando os números inteiros, representados por \mathbb{Z}.
\mathbb{Z}=\left \{ ..., -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, ... \right \}

Visivelmente, percebe-se que esse é o conjunto dos números inteiros positivos, negativos e do 0.
Eu disse algo sobre ‘opostos’. O que é o oposto de um número?
O oposto de um número, digamos, a, é o número que somado com a resulta em 0. O oposto de a é representado por (-a).
Então, temos que:
a + (-a) = 0
Exemplificando:
O oposto de 3, é (-3), e quando somados, resultam em 0: 3 + (-3) = 0
O oposto de 10, é (-10), e quando somados, resultam em 0: 10 + (-10) = 0
E assim por diante.

Assim como nos números naturais, existe o conjunto \mathbb{Z}^*, definido como $ é definido como \mathbb{Z}^*=\mathbb{Z}-\left \{ 0 \right \}, ou seja, é o conjunto dos números inteiros, exluindo-se o zero.

O próximo conjunto é o conjunto dos números racionais.

Números Racionais

\mathbb{Q}=\left \{\frac{a}{b}: a\in \mathbb{Z} \text{ e } b \in \mathbb{Z}^*\right \}

Interpretando e ‘traduzindo’ isso, obteremos algo assim:

“O conjunto dos números racionais é todo número que pode ser escrito na forma a/b, com a inteiro e b inteiro diferente de 0. Ou seja: qualquer número que possa ser escrito como frações de números inteiros.

  • 2/4 é racional pois é uma fração de números inteiros.
  • 3/5 é racional pois é uma fração de números inteiros.
  • 0,2/0,5 é racional, pois pode ser escrito como uma fração de números inteiros (2/5).
  • Dízimas periódicas, como 0,222… são números racionais pois podem ser escritas como frações de números inteiros (2/9)

A palavra “racionais” vem de “razão”, que na matemática tem sentido de “divisão”.

Aparentemente, todos os números imagináveis são racionais, certo? Errado! Pode parecer difícil de acreditar, mas há números que não podem ser escritos nessa forma. Aí que entra o conjunto dos números irracionais, expressos por \mathbb{I}.

Números Irracionais e Reais

O que é o conjunto dos números irracionais? O conjunto dos números irracionais é o conjunto dos números reais que não são racionais.

-Ei, espera, como assim? Você está definindo números irracionais usando números reais sem nem dizer o que são números reais?

Mais ou menos. De fato, o “correto” é definir o que é um número real primeiro, mas isso não é lá muito didático.

Exemplos de números irracionais são raízes não exatas, como:

  • \sqrt{2} (raiz quadrada positiva de dois, ou seja, o número positivo que elevado ao quadrdo resulta em 2),
  • -\sqrt{3} (raiz quadrada negativa de três, ou seja, o número negativo que elevado ao quadrdo resulta em 3),
  • \sqrt[3]{6} (raiz cúbica de seis, ou seja, o número que elevado ao cubo resulta em 6),
  • \pi (pi, que é a razao entre o comprimento da circunferência e do diâmetro de uma circunferência qualquer),
  • e (número de Euler)

etc. Nenhum desses números podem ser expressos na forma a/b, com a e b inteiros e b diferente de 0, portanto nenhum deles é racional. Mas eles são números reais.

…e o que são números reais?

O conjunto dos números reais, representado por \mathbb{R} é um conjunto bem ordenado. Dentre as suas propriedades, há uma que diz que se você pegar quaisquer dois deles, distintos, por exemplo, a e b, então com certeza…

ou a é maior que b, ou b é maior que a.

Um deles deve necessáriamente ser maior. Algo que satisfaça essa condição é um número real.

Todo número racional tem essas propriedades dos números reais. Será que há outro tipo de número que também tem? Sim! Se você pegar \sqrt{2} , por exemplo, e tentar compara-lo com qualquer outro número real, de fato, você perceberá que ou \sqrt{2} é maior, ou \sqrt{2} é menor. Isso faz de \sqrt{2} um número real.

Se você colocasse todos os números reais em papeizinhos dentro de um balde (o que na verdade é impossível, já que eles são infinitos) e sorteasse dois ao acaso, você poderia afirmar com certeza que um é maior que o outro.

Agora podemos definir os números irracionais!

\mathbb{I}=\mathbb{R} - \mathbb{Q}

Ou seja, o conjunto dos números irracionais é o conjunto dos números reais, retirando-se os números racionais.

Uma propriedade interessante dos números reais é que eles podem ser colocados em uma reta. No próximo post dessa série, abordarei isso, e introduzirei também os números complexos.

Abraços e até a próxima.

Vinicius R.

Provas do Teorema de Pitágoras

Milhões de alunos do Ensino Fundamental, Médio e Superior do Brasil e do mundo têm a seguinte formulazinha, fácil de ser decorada, na cabeça:

a²=b²+c²

O famoso “Teorema de Pitágoras” não é problema para muita gente. Vamos relembrar o que ele quer dizer.

“Em um triângulo retângulo, o quadrado da Hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”.

Primeiro, temos que saber o que é Triângulo Retângulo, o que é Hipotenusa e o que é Cateto, né?

Triângulo Retângulo: É um triângulo que possui um ângulo reto, ou seja, um ângulo de 90 graus. Por isso a palavra “Retângulo”

Hipotenusa: No triângulo retângulo, é o lado oposto ao ângulo reto. Ou seja, aquele que não o “toca”. Na figura, o lado ‘a’ é a hipotenusa.

Catetos: São os dois outros lados do triângulo. No caso, ‘b’ e ‘c’.

Busto de Pitágoras

Provavelmente, não foi Pitágoras quem descobriu o teorema que leva seu nome. A história mostra que os egípcios já sabiam disso há muito tempo. No Egito, existia uma profissão que se chamava “harpedonopta”, ou, literalmente, “esticador de corda”. Pegavam, por exemplo, cordas de 30m, 40m e 50m, unidas com nós, e esticavam-nas para formar um triângulo retângulo que servia como um esquadro gigante para construir coisas.

Mas, afinal, porque é que é assim? Como sabem que a²=b²+c²? Testaram isso em todos os triângulos retângulos do universo? Embora a grande maioria dos alunos memorize o Teorema de Pitágoras, poucos sabem responder a essas perguntas.

Na matemática, para provarmos que algo funciona, temos que provar que tal coisa funciona sempre. Há muitas provas do teorema de Pitágoras. Nessa postagem, mostrarei ao leitor uma das mais simples, de forma que ele já poderá fechar essa página e ensiná-la para todo mundo.

Você só vai precisar saber que a área de um quadrado é a medida do seu lado elevada ao quadrado. Por exemplo, se o lado de um quadrado mede 4cm, sua área mede 4²cm², ou 16cm². Generalizando, se um quadrado tem lado medindo ‘a’, sua área mede ‘a²’.

Vamos desenhar um quadrado com o lado medindo b+c. Há várias formas de desenhar isso. Desenharei de duas, que são as que nos interessam.

Lembrando que o segmento de reta verde mede ‘c’ e que o segmento de reta azul mede ‘b’. Juntos, eles medem ‘b+c’, ou ‘c+b’. b+c é igual a c+b, então, tanto faz.

Como podemos ver, os quadrados têm a mesma área. São “iguais” (o termo correto seria “congruentes”).

Certo. Vamos subdividir esses quadrados em algumas partes:

Agora, como podemos ver…

Na figura 1, temos um quadrado de lados verdes, um quadrado de lados azuis e quatro triângulos de lados verde-azul-vermelho, que pintei de amarelo.

Na figura 2, temos um quadrado de lados vermelhos e quatro triângulos de lados verde-azul-vermelho, que pintei de amarelo.

Sabemos que as áreas das duas figuras são iguais. Representaremos isso assim:

Área da Figura 1 = Área da Figura 2

Agora, abreviarei tudo do seguinte modo:

Como eu disse, a área de um quadrado é o seu lado ao quadrado.

O quadrado verde tem lado ‘c’, sua área se dá por c².

O quadrado azul tem lado ‘b’, sua área se dá por b².

O quadrado vermelho tem lado ‘a’, sua área se dá por a².

Substituindo:

b²+c²=a²

Note agora que ‘a’, ‘b’ e ‘c’ são os lados do triângulo retângulo que usamos pra começar tudo. ‘a’ é a hipotenusa, e ‘b’ e ‘c’ são os catetos. O quadrado da hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos catetos! Está demonstrado.

Essa não foi uma prova matemática formal. Uma prova matemática formal exige um rigor extremo. Eu teria que ter mostrado as congruências entre os triângulos e entre os segmentos de reta através do caso lado-ângulo-lado e paralelismo. Porém, isso aumentaria em muito o tamanho do post, e a grande parte do público “não-matemático” acharia chato e extremamente cansativo. Mas agora, com essa postagem, você já sabe que o Teorema de Pitágoras não ‘caiu do céu’, né? É muito fácil desenhar esses dois quadrados no papel e mostrar para seus amigos. Tente!

Questione, duvide, faça perguntas. Não existem “perguntas idiotas”, nem proibidas. O conhecimento é livre para todos, e é maravilhoso quando compreendemos as coisas e o mundo ao nosso redor.

Abraço, e até a próxima.

Vinicius R.